quinta-feira, 1 de janeiro de 2004

O PEREGRINO E SEU CAJADO


O PEREGRINO E SEU CAJADO

Bem ! Confesso que nunca gostei muito desse termo: "peregrino".
Explico: parece trazer uma conotação mística e religiosa que não se
coaduna com a liberdade, a singeleza, a alegria, a beleza do velho e o
simples caminhar, ou, como queiram, trekking.

Prefiro tratar de caminhadas em lugar de trekking. Parece melhor, é um
termo simples, acessível e nacional. Alias, bem nacional, se
considerarmos o grande potencial do Brasil: suas belas e diversas
paisagens e as características singulares do seu povo.

Etimológicamente, a questão esta explicada: lá vai o texto. É aquele lá do
título.

Eu e um amigo resolvemos fazer uma longa caminhada (160 km), seguindo
um possível destino, cujo roteiro era: saída de São José (SC); Colônia
Santana, Colônia Santa Teresa, São Pedro de Alcântara; Angelina, Garcia,
Major Gercino, São João Batista, Nova Trento (com escala em Madre
Paulina) e, finalmente, Azambuja em Brusque/SC.

A caminhada era desafiadora, longa e maravilhosa. Todo o caminho era
enfeitado pela diversidade que a natureza nos oferecia; as cores
exuberantes da vegetação, os lindos pássaros encontrados ao longo do
caminho... Este trajeto foi o escolhido, não só pela sua beleza mas,
indiscutivelmente, porque nos oferecia uma certa segurança, uma vez que
por ali - estradas secundárias - poucos carros transitavam.

Ao iniciarmos a caminhada, meu parceiro - um jovem senhor que já cruzou
 Santiago de Compostela por duas vezes, visitou as ruínas de
Machu-Picchu, entre outras trilhas fantásticas e também já cruzou as
trilhas da "Ilha da Magia" - Florianópolis/SC - do alto de sua experiência,
presenteou-me com um cajado. Isto mesmo! Um cajado, com o meu nome
e tudo. Confesso que o presente causou uma surpresa e um pensamento
um tanto quanto ingrato. Ora, para que serviria aquele pedaço de pau? E,
ainda, eu teria que carregá-lo por 160 km! Céus!!! Tomado por um
urbanismo exacerbado, agradeci o presente e nos pusemos a caminhar.
Pensei em dispensar o cajado logo nas primeiras horas, mas diante da
impossibilidade de fazê-lo sem cometer uma grande gafe e gerar um
enorme desconforto, continuei minha jornada incólume e resistindo à
primeira idéia.

Ao longo do tempo, enquanto cruzávamos um trecho de intenso
movimento de carros, notei que os motoristas, invariavelmente - talvez
movidos pela surpresa do nosso encontro, mantinham seus automóveis
quase encostando seus retrovisores esquerdos nos nossos frágeis corpos
 cansados. Em um dado momento, não sei bem quando, o cajado se
afastou do meu corpo, alargando minha Aura e pasmem: os carros
passaram a manter uma maior distância a partir dele.

Eureca ! Eis aí um bom motivo para se caminhar com um cajado, pensei !
Repeti o lance por várias vezes e constatei que os motoristas não se
incomodavam em nos atropelar, mas, daí a atropelar um cajado ! Ah, isso
não! Concluí que só por isso já estava valendo a pena exibir aquele lindo
apetrecho - meu cajado - quando de repente, um cachorro - daqueles
grandes, boiadeiros, do tipo Fila Brasileiro - resolveu armar uma corrida
mostrando os seus lindos caninos direcionados às minhas frágeis pernas.
Tudo bem ! Quem caminha com Deus estará sempre seguro. Quem é de
paz nada teme e, etc., mas o fato é que o cachorro estava chegando perto
e eu não conseguia perceber a presença sequer do anjo Gabriel ! Quase no
 desespero, entra em cena o meu salvador - talvez por inspiração ou
transpiração, sei lá - o meu cajado ! Bastou que eu o direcionasse à bela
fera e esta resolveu puxar o seu freio de mão de inopino, exibindo uma
manobra digna de um Rally. É ! O bichão parou e, simplesmente, latiu e
latiu. Senti o verdadeiro significado da expressão: "Enquanto os cães
latem a caravana passa !"

E passamos, seguimos nosso caminho. Deste momento em diante, assim
como um ser urbano necessita de um celular - ou pensa que necessita - o
cajado já me era imprescindível. Após a quarta hora de caminhada notei
que as minhas mãos já estavam bastante inchadas. Imediatamente lembrei
 do meu fiel escudeiro - o cajado. Sem pestanejar, lancei-o
transversalmente sobre as minhas costas, entre o corpo e a mochila,
formando-se um lindo e confortável varal para os meus braços. Bem no
alto, acima do meu coração e usando de toda a força da gravidade, eis
que, como presente, minhas mãos passaram a se "esvaziar", trazendo um
conforto extra para aquela etapa.

Sei que o tema parece ser bobo mas, sinceramente, espero que as lições,
quer de cunho prático ou filosófico, possam brotar nas suas fabulosas
cabeças. Até outro dia! Boa caminhada e obrigado, meu grande amigo,
pelo "Cajado". Valeu !

Texto escrito por Guto

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